sábado, 27 de novembro de 2010

União Conjugal - Os deveres Mútuos de Maridos e Esposas

União Conjugal
Os Deveres Mútuos de Maridos e Esposas

Pr. Evanildo Ferreira da Silva

O que está faltando mais no casamento hoje em dia? Uma pesquisa revela dados surpreendentes:

32% Respeito
20% Confiança
18% Compreensão
12% Amizade
10% Novidade
08% Carinho

Eu diria que nos casamentos de hoje está faltando a presença de Jesus, a fonte perene de vida e felicidade. Sem Jesus, aquele que tem todo o poder no Céu e na Terra, nenhuma instituição poderá subsistir, superar todos os desafios, lutas e provações, principalmente a mais antiga e mais tradicional instituição do Planeta, a Família, poderá subsistir em meio ao caos que a rodeia. É importante que lembremos alguns conceitos bíblicos, os quais nortearão a nossa compreensão do que de fato vem sustentando a família desde o seu surgimento.

Normalmente as relações comuns da vida são marcadas pelo egoísmo. Nas relações conjugais, principalmente, a preocupação está relacionada com o que o outro pode fazer para promover a minha felicidade. Raramente se vê um cônjuge se ocupando em promover a felicidade do outro. Isso porque os seres humanos, por natureza, têm uma conduta profundamente marcada pelo egoísmo. Este, porém, não é o plano de Deus para o casamento. No Princípio não foi assim. Infelizmente, com a entrada do pecado no mundo, todos os relacionamentos se tornaram imperfeitos e egoístas. Contudo, devemos buscar o principio original da união conjugal, a fim construirmos um ambiente de comunhão, harmonia, e felicidade.

“Disse mais o SENHOR Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea”. (GÊNESIS 2:18).

No plano de Deus a relação conjugal é compartilhada e os papeis e tarefas são muito bem delineados. Temos aqui a figura De uma auxiliadora que fosse capaz de complementar o homem, se colocando ao seu lado em suas realizações.

Há, portanto, um plano de Deus ao unir um casal pelos laços do matrimônio. Os casais não devem levar seus desejos egoístas para o casamento. Num casamento conforme o plano de Deus não há espaço para a busca da satisfação pessoal. Na construção de um casamento feliz, ambos deverão buscar a realização do outro. Nós sabemos o que queremos do outro, mas raramente pensamos no que podemos fazer para que o outro seja também realizado, sobretudo, do ponto de vista da realização emocional. A satisfação pessoal de do cônjuge virá como conseqüência de sua doação em amor para com o outro.

Para que um casal atinja a sua plenitude relacional é necessário saber que a vida conjugal é constituída de direitos e deveres. Que cada um precisa saber e cumprir a sua parte na construção dessa relação, que inicia quando os dois se conhecem, e tem seu desenvolvimento enquanto viverem. A vida conjugal será uma constante aprendizagem.

Os deveres do Marido

1. O primeiro dever do marido é o de amar sua esposa. (e a esposa seu o marido)

“Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela”, (EFÉSIOS 5:25).

O amor do marido pela esposa deverá ser semelhante ao amor de Cristo pela Igreja. Este amor foi capaz de se entregar totalmente. Quanto mais Cristo amou a sua igreja, mais ele se entregou por ela. Trata-se do amor AGAPE, o amor sacrificial, o mor que é pura doação, o amor que não exige nada em troca. É primeiramente com este amor que o marido deverá amar a sua esposa.

O amor do marido deverá ser também medido através do amor que ele tem por si mesmo. Quem não se ama é incapaz de amar o outro.

“Assim também os maridos devem amar a sua mulher como ao próprio corpo. Quem ama a esposa a si mesmo se ama. Porque ninguém jamais odiou a própria carne; antes, a alimenta e dela cuida, como também Cristo o faz com a igreja”; (EFÉSIOS 5:28-29).

“Assim também vós, cada um em particular ame a sua própria mulher como a si mesmo, e a mulher reverencie o marido”. (EFÉSIOS 5:33).

Percebemos que o amor do marido para com a sua esposa é um mandamento divino e a base fundamental para a realização de um casamento saudável.


2. O marido deve ser o cabeça da família.

“porque o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo é o cabeça da igreja, sendo este mesmo o salvador do corpo”. (EFÉSIOS 5:23).

Essa talvez seja a parte mais difícil atribuída ao marido no casamento. Está nas mãos dele o poder das decisões finais. Ele é responsável pelo direcionamento da família nas decisões a serem tomadas. Como sacerdote da casa, ele representa a família perante Deus. Assim escreveu o apóstolo Paulo aos coríntios:

“Quero, entretanto, que saibais ser Cristo o cabeça de todo homem, e o homem, o cabeça da mulher, e Deus, o cabeça de Cristo”. (I CORINTIOS 11:3)

Há uma ordem hierárquica natural estabelecida por Deus a fim de que a família tenha uma direção segura, e que, quando alterada, ou invertida, produzirá sérios transtornos ao equilíbrio familiar.

Como cabeça da mulher, o marido deverá exercer a função de presidente da sociedade conjugal. Nesse sentido, compete também ao marido a liderança espiritual de sua família. Ele responderá diante de Deus quanto o destino espiritual que deu ou dará à sua família.


3. O marido deve considerar a mulher a parte mais frágil

“Maridos, vós, igualmente, vivei a vida comum do lar, com discernimento; e, tendo consideração para com a vossa mulher como parte mais frágil, tratai-a com dignidade, porque sois, juntamente, herdeiros da mesma graça de vida, para que não se interrompam as vossas orações”. (I PEDRO 3:7).

A mulher foi tirada da costela do homem a fim de se colocar do seu lado e receber dele cuidado e proteção. Toda mulher tem a expectativa de ser amada, protegida e cuidada pelo marido.


Os deveres da Esposa

Mencionaremos agora pelo menos três deveres atribuídos à mulher para o desenvolvimento deste maior empreendimento social já visto em toda a terra.


1. O primeiro dever da esposa é o da submissão

Uma boa parte das mulheres tem dificuldades de entender o significado desta maravilhosa arte que é a submissão. Algumas pensam que ser submissa é ser subjugada pelo marido, é ser escrava das vontades do marido. Isso é um grande equívoco. Esse não é o pensamento da Bíblia. Submissão é algo inteligente. A palavra submissão refere-se a uma sub-missão, uma missão paralela à missão do marido. Não se trata de uma missão inferior ou menos importante. É tão necessária quanto à missão do marido. O nome dado por Deus a essa condição da mulher no casamento é ADJUTORA. É o mesmo que auxiliadora. Esta missão é insubstituível e intransferível. A mulher exerce o importante papel de administradora do lar, esposa e mãe. Algumas mulheres têm até jornada tripla: trabalham no período da manhã, tarde, e a noite ainda cuida da casa do marido e dos filhos. É evidente que esse excesso de trabalho revela um acúmulo de funções, e isso não é o ideal para a mulher. Nesse caso, algo precisa ser revisto na distribuição dos papeis sociais

Segundo o conceito bíblico a mulher é uma auxiliadora do marido, ela complementa o marido. Tudo foi muito bem planejado por Deus e é assim que deverá ser a estrutura de toda a família na terra. Seus papeis sociais precisam ser bem definidos e aplicados ou, do contrário, o casamento irá inevitavelmente ruir e seu inevitável fracasso acontecerá.

O modelo de submissão encontrado na Bíblia segue um padrão preestabelecido. A mulher deverá ser submissa ao marido na mesma medida de sua submissão ao Senhor e na mesma proporção em que a igreja está submissa a Cristo.

“As mulheres sejam submissas ao seu próprio marido, como ao Senhor”; (EFESIOS 5:22)

“Como, porém, a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo submissas ao seu marido”. (EFESIOS 5:24).



2. O segundo dever atribuído às mulheres é o de respeitar o marido

“Assim também vós, cada um em particular ame a sua própria mulher como a si mesmo, e a mulher reverencie o marido”. (EFÉSIOS 5:33).

Respeito no trato e no comportamento. Algumas mulheres tratam a seus maridos como se nada valessem, como se fossem inúteis, às vezes são ridicularizados diante das pessoas. Não convém que seja assim. O texto bíblico disse que é dever da mulher reverenciar a seu marido, ele é o sacerdote do lar, é o presidente da família. Todo marido tem o direito de ser tratado dignamente pela sua esposa e de ser honrado pelos filhos.

3. O terceiro dever atribuído á esposa é o de amar a seu marido e a seus filhos de forma abnegada.

“a fim de instruírem as jovens recém-casadas a amarem ao marido e a seus filhos, a serem sensatas, honestas, boas donas de casa, bondosas, sujeitas ao marido, para que a palavra de Deus não seja difamada”. (TITO 2:4-5)

É também dever da mulher amar a seu marido e este amor deverá ser na mesma medida do amor de Cristo pela igreja, assim como a sua submissão ao marido também deverá seguir essa mesma lógica.

Há uma falsa expectativa de que no casamento eu vou encontrar finalmente a felicidade plena. Todo o que vive essa expectativa poderá vir a se decepcionar. A busca pela felicidade é algo que vem acompanhando a humanidade desde os primórdios. O desafio do casal no casamento não deverá ser o de promover a própria felicidade, e sim a felicidade de outro. A felicidade virá através de uma constante relação de troca. Na proporção que amo, serei amado. Na mesma proporção em que promover a felicidade do outro, assim também receberei. É importante lembrar que a iniciativa deverá ser sempre minha.

Conclusão

Consideremos esses deveres básicos para a organização e estruturação de um casamento bem-sucedido.

Dos deveres do marido:

1. O primeiro dever do marido é o de amar sua esposa. (e a esposa seu o marido)

2. O marido deve ser o cabeça da família.

3. O marido deve considerar a mulher a parte mais frágil

Dos deveres da mulher:

1. O primeiro dever da esposa é o da submissão

2. O segundo dever atribuído às mulheres é o de respeitar o marido

3. O terceiro dever atribuído á esposa é o de amar a seu marido e a seus filhos de forma abnegada.

Lembrem-se sempre da instrução do Senhor e coloquem-na em primeiro plano enquanto viverem. Enquanto o Senhor Jesus for o centro dessa união vocês serão bem-sucedidos e felizes.

Deixo com vocês as palavras do Apóstolo Paulo em sua primeira carta aos Coríntios capítulo treze, versos quatro a oito pare A.

“O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana (envaidece), não se ensoberbece”, (v.4)

“não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal”; (v.5)

“não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade”; (v.6)

“tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. (V.7)

“O amor jamais acaba; mas, havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará”; (v.8).

Que Deus conceda a vocês uma vida conjugal estável, feliz e frutífera, até que a morte os separe.

Amém

Pastor da Igreja Batista Monte Sinai
Montes Claros, MG

terça-feira, 10 de agosto de 2010

A Nova Reforma Protestante - Revista Época


Inspirado no cristianismo primitivo e conectado à internet, um grupo crescente de religiosos critica a corrupção neopentecostal e tenta recriar o protestantismo à brasileira.

Rani Rosique não é apóstolo, bispo, presbítero nem pastor. É apenas um cirurgião geral de 49 anos em Ariquemes, cidade de 80 mil habitantes do interior de Rondônia. No alpendre da casa de uma amiga professora, ele se prepara para falar. Cercado por conhecidos, vizinhos e parentes da anfitriã, por 15 minutos Rosique conversa sobre o salmo primeiro (“Bem-aventurado o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios”). Depois, o grupo de umas 15 pessoas ora pela última vez – como já havia orado e cantado por cerca de meia hora antes – e então parte para o tradicional chá com bolachas, regado a conversa animada e íntima.
Desde que se converteu ao cristianismo evangélico, durante uma aula de inglês em Goiânia em 1969, Rosique pratica sua fé assim, em pequenos grupos de oração, comunhão e estudo da Bíblia. Com o passar do tempo, esses grupos cresceram e se multiplicaram. Hoje, são 262 espalhados por Ariquemes, reunindo cerca de 2.500 pessoas, organizadas por 11 “supervisores”, Rosique entre eles. São professores, médicos, enfermeiros, pecuaristas, nutricionistas, com uma única característica comum: são crentes mais experientes.

Apesar de jamais ter participado de uma igreja nos moldes tradicionais, Rosique é hoje uma referência entre líderes religiosos de todo o Brasil, mesmo os mais tradicionais. Recebe convites para falar sobre sua visão descomplicada de comunidade cristã, vindos de igrejas que há 20 anos não lhe responderiam um telefonema. Ele pode ser visto como um “símbolo” do período de transição que a igreja evangélica brasileira atravessa. Um tempo em que ritos, doutrinas, tradições, dogmas, jargões e hierarquias estão sob profundo processo de revisão, apontando para uma relação com o Divino muito diferente daquela divulgada nos horários pagos da TV.

Estima-se que haja cerca de 46 milhões de evangélicos no Brasil. Seu crescimento foi seis vezes maior do que a população total desde 1960, quando havia menos de 3 milhões de fiéis espalhados principalmente entre as igrejas conhecidas como históricas (batistas, luteranos, presbiterianos e metodistas). Na década de 1960, a hegemonia passou para as mãos dos pentecostais, que davam ênfase em curas e milagres nos cultos de igrejas como Assembleia de Deus, Congregação Cristã no Brasil e O Brasil Para Cristo. A grande explosão numérica evangélica deu-se na década de 1980, com o surgimento das denominações neopentecostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus e a Renascer. Elas tiraram do pentecostalismo a rigidez de costumes e a ele adicionaram a “teologia da prosperidade” (leia o quadro abaixo). Há quem aposte que até 2020 metade dos brasileiros professará à fé evangélica.

Dentro do próprio meio, levantam-se vozes críticas a esse crescimento. Segundo elas, esse modelo de igreja, que prospera em meio a acusações de evasão de divisas, tráfico de armas e formação de quadrilha, tem sido mais influenciado pela sociedade de consumo que pelos ensinamentos da Bíblia. “O movimento evangélico está visceralmente em colapso”, afirma o pastor Ricardo Gondim, da igreja Betesda, autor de livros como Eu creio, mas tenho dúvidas: a graça de Deus e nossas frágeis certezas (Editora Ultimato). “Estamos vivendo um momento de mudança de paradigmas. Ainda não temos as respostas, mas as inquietações estão postas, talvez para ser respondidas somente no futuro.”

Nos Estados Unidos, a reinvenção da igreja evangélica está em curso há tempos. A igreja Willow Creek de Chicago trabalhava sob o mote de ser “uma igreja para quem não gosta de igreja” desde o início dos anos 1970. Em São Paulo, 20 anos depois, o pastor Ed René Kivitz adotou o lema para sua Igreja Batista, no bairro da Água Branca – e a ele adicionou o complemento “e uma igreja para pessoas de quem a igreja não costuma gostar”. Kivitz é atualmente um dos mais discutidos pensadores do movimento protestante no Brasil e um dos principais críticos da“religiosidade institucionalizada”. Durante seu pronunciamento num evento para líderes religiosos no final de 2009, Kivitz afirmou: “Esta igreja que está na mídia está morrendo pela boca, então que morra. Meu compromisso é com a multidão agonizante, e não com esta igreja evangélica brasileira.”

Essa espécie de “nova reforma protestante” não é um movimento coordenado ou orquestrado por alguma liderança central. Ela é resultado de manifestações espontâneas, que mantêm a diversidade entre as várias diferenças teológicas, culturais e denominacionais de seus ideólogos. Mas alguns pontos são comuns. O maior deles é a busca pelo papel reservado à religião cristã no mundo atual. Um desafio não muito diferente do que se impõe a bancos, escolas, sistemas políticos e todas as instituições que vieram da modernidade com a credibilidade arranhada. “As instituições estão todas sub judice”, diz o teólogo Ricardo Quadros Gouveia, professor da Universidade Mackenzie de São Paulo e pastor da Igreja Presbiteriana do Bairro do Limão. “Ninguém tem dúvida de que espiritualidade é uma coisa boa ou que educação é uma coisa boa, mas as instituições que as representam estão sob suspeita.”
Uma das saídas propostas por esses pensadores é despir tanto quanto possível os ensinamentos cristãos de todo aparato institucional. Segundo eles, a igreja protestante (ao menos sua face mais espalhafatosa e conhecida) chegou ao novo milênio tão encharcada de dogmas, tradicionalismos, corrupção e misticismo quanto a Igreja Católica que Martinho Lutero tentou reformar no século XVI. “Acabamos nos perdendo no linguajar ‘evangeliquês’, no moralismo, no formalismo, e deixamos de oferecer respostas para nossa sociedade”, afirma o pastor Miguel Uchôa, da Paróquia Anglicana Espírito Santo, em Jaboatão dos Guararapes, Grande Recife. “É difícil para qualquer pessoa esclarecida conviver com tanto formalismo e tão pouco conteúdo.”
Uchôa lidera a maior comunidade anglicana da América Latina. Seu trabalho é reconhecido por toda a cúpula da denominação como um dos mais dinâmicos do país. Ele é um dos grandes entusiastas do movimento inglês Fresh Expressions, cujo mote é “uma igreja mutante para um mundo mutante”. Seu trabalho é orientar grupos cristãos que se reúnem em cafés, museus, praias ou pistas de skate. De maneira genérica, esses grupos são chamados de “igreja emergente” desde o final da década de 1990. “O importante não é a forma”, afirma Uchôa. “É buscar a essência da espiritualidade cristã, que acabou diluída ao longo dos anos, porque as formas e hierarquias passaram a ser usadas para manipular pessoas. É contra isso que estamos nos levantando.”

No meio dessa busca pela essência da fé cristã, muitas das práticas e discursos que eram característica dos evangélicos começaram a ser considerados dispensáveis. Às vezes, até condenáveis. Em Campinas, no interior de São Paulo, ocorre uma das experiências mais interessantes de border=0>recriação de estruturas entre as denominações históricas. A Comunidade Presbiteriana Chácara Primavera não tem um templo. Seus frequentadores se reúnem em dois salões anexos a grandes condomínios da cidade e em casas ao longo da semana. Aboliram a entrega de dízimos e as ofertas da liturgia. Os interessados em contribuir devem procurar a secretaria e fazê-lo por depósito bancário – e esperar em casa um relatório de gastos. Os sermões são chamados, apropriadamente, de “palestras” e são ministrados com recursos multimídias por um palestrante sentado em um banquinho atrás de um MacBook. A meditação bíblica dominical é comumente ilustrada por uma crônica de Luis Fernando Verissimo ou uma música de Chico Buarque de Hollanda.
“Os seminários teológicos formam ministros para um Brasil rural em que os trabalhos são de carteira assinada, as famílias são papai, mamãe, filhinhos e os pastores são pessoas respeitadas”, diz Ricardo Agreste (foto ao lado), pastor da Comunidade e autor dos livros Igreja? Tô fora e A jornada (ambos lançados pela Editora Socep). “O risco disso é passar a vida oferecendo respostas a perguntas que ninguém mais nos faz. Há muita gente séria, claro, dizendo verdades bíblicas, mas presas a um formato ultrapassado.”

Outro ponto em comum entre esses questionadores é o rompimento declarado com a face mais visível dos protestantes brasileiros: os neopentecostais. “É lisonjeador saber que atraímos gente com formação universitária e que nos consideram ‘pensadores ”, afirma Ricardo Agreste. “O grande problema dos evangélicos brasileiros não é de inteligência, é de ética e honestidade.” Segundo ele, a velha discussão doutrinária foi substituída por outra. “Não é mais uma questão de pensar de formas diferentes a espiritualidade cristã”, diz. “Trata-se de entender que há gente usando vocabulário e elementos de prática cristã para ganhar dinheiro e manipular pessoas.”
Esse rompimento da cordialidade entre os evangélicos históricos e os neopentecostais veio a público na forma de livros e artigos. A jornalista (evangélica) Marília Camargo César publicou no final de 2008 o livro Feridos em nome de Deus(Editora Mundo Cristão), sobre fiéis decepcionados com a religião por causa de abusos de pastores. O teólogo Augustus Nicodemus Lopes, chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie, publicou O que estão fazendo com a Igreja: ascensão e queda do movimento evangélico brasileiro (Mundo Cristão), retrato desolador de uma geração cindida entre o liberalismo teológico, os truques de marketing, o culto à personalidade e o esquerdismo político. Em um recente artigo, o presidente do Centro Apologético Cristão de Pesquisas, João Flavio Martinez, definiu como “macumba para evangélico” as práticas místicas da Igreja Universal do Reino de Deus, como banho de descarrego e sabonete com extrato de arruda.
Tais críticas, até pouco tempo atrás, ficavam restritas aos bastidores teológicos e às discussões internas nas igrejas. Livros mais antigos – como Supercrentes, Evangélicos em crise, Como ser cristão sem ser religioso e O evangelho maltrapilho (todos da editora Mundo Cristão) – eram experiências isoladas, às vezes recebidos pelos fiéis como desagregadores. “Parece que a sociedade se fartou de tanto escândalo e passou a dar ouvidos a quem já levantava essas questões há tempos”, diz Mark Carpenter, diretor-geral da Mundo Cristão.
Procurado por ÉPOCA, Geraldo Tenuta, o Bispo Gê, presidente nacional da Igreja Renascer em Cristo, preferiu não entrar em discussões. “Jesus nos ensinou a não irmos contra aqueles que pregam o evangelho, a despeito de suas atitudes”, diz ele. “Desde o início, éramos acusados disto ou daquilo, primeiro porque admitíamos rock no altar, depois porque não tínhamos usos e costumes. Isso não nos preocupa. O que não é de Deus vai desaparecer, e não será por obra dos julgamentos.” A Igreja Universal do Reino de Deus – que, na terceira semana de julho, anunciou a construção de uma “réplica do Templo de Salomão” em São Paulo, com “pedras trazidas de Israel” e “maior do que a Catedral da Sé” – também foi procurada por ÉPOCA para comentar os movimentos emergentes e as críticas dirigidas à igreja. Por meio de sua assessoria, o bispo Edir Macedo enviou um e-mail com as palavras: “Sem resposta”.
O sociólogo Ricardo Mariano, autor do livro Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil (Editora Loyola), oferece uma explicação pragmática para a ruptura proposta pelo novo discurso evangélico. Ateu, ele afirma que o objetivo é a busca por uma certa elite intelectual, um público mais bem informado, universitário, mais culto que os telespectadores que enchem as igrejas populares. “Vivemos uma época em que o paciente pesquisa na internet antes de ir ao consultório e é capaz de discutir com o médico, questionar o professor”, diz. “Num ambiente assim, não tem como o pastor proibir nada. Ele joga para a consciência do fiel.”
A maior parte da movimentação crítica no meio evangélico acontece nas grandes cidades. O próprio pastor Kivitz afirma que “talvez não agisse da mesma forma se estivesse servindo alguma comunidade em um rincão do interior” e que o diálogo livre entre púlpito e auditório passa, necessariamente, por uma identificação cultural. “As pessoas não querem dogmas, elas querem honestidade”, diz ele. “As dúvidas delas são as minhas dúvidas. Minha postura é, juntos, buscarmos respostas satisfatórias a nossas inquietações.”
Por isso mesmo, Ricardo Mariano não vê comparação entre o apelo das novas igrejas protestantes e das neopentecostais. “O destino desses líderes será ‘pescar no aquário’, atraindo insatisfeitos vindos de outras igrejas, ou continuar falando para meia dúzia de pessoas”, diz ele. De acordo com o presbiteriano Ricardo Gouveia, “não há, ou não deveria haver, preocupação mercadológica” entre as igrejas históricas. “Não se trata de um produto a oferecer, que precise ocupar espaço no mercado”, diz ele. “Nossa preocupação é simplesmente anunciar o evangelho, e não tentar ‘melhorá-lo’ ou torná-lo mais interessante ou vendável.”
O advento da internet foi fundamental para pastores, seminaristas, músicos, líderes religiosos e leigos decidirem criar seus próprios sites, portais, comunidades e blogs. Um vídeo transmitido pela Igreja Universal em Portugal divulgando o Contrato da fé – um “documento”, “autenticado” pelos pastores, prometendo ao fiel a possibilidade de se “associar com Deus e ter de Deus os benefícios” – propagou-se pela rede, angariando toda sorte de comentários. Outro vídeo, em que o pregador americano Moris Cerullo, no programa do pastor Silas Malafaia, prometia uma “unção financeira dos últimos dias” em troca de quem “semear” um “compromisso” de R$ 900 também bombou na rede. Uma cópia da sentença do juiz federal Fausto De Sanctis (lembre AQUI) condenando os líderes da Renascer Estevam e Sônia Hernandes por evasão de divisas circulou no final de 2009. De Sanctis afirmava que o casal “não se lastreia na preservação de valores de ética ou correção, apesar de professarem o evangelho”. “Vergonha alheia em doses quase insuportáveis” foi o comentário mais ameno entre os internautas.

Sites como Pavablog, Veshame Gospel, Irmãos.com, Púlpito Cristão, Caiofabio.net ou Cristianismo Criativo fazem circular vídeos, palestras e sermões e debatem doutrinas e notícias com alto nível de ousadia e autocrítica. De um grupo de blogueiros paulistanos, surgiu a ideia da Marcha pela ética, um protesto que ocorre há dois anos dentro da Marcha para Jesus (evento organizado pela Renascer). Vestidos de preto, jovens carregam faixas com textos bíblicos e frases como “O $how tem que parar” e “Jesus não está aqui, ele está nas favelas”.
A maior parte desses blogueiros trafega entre assuntos tão diversos como teologia, política, televisão, cinema e música popular. O trânsito entre o “secular” e o “sagrado” é uma das características mais fortes desses novos evangélicos. “A espiritualidade cristã sempre teve a missão de resgatar a pessoa e fazê-la interagir e transformar a sociedade”, diz Ricardo Agreste. “Rompemos o ostracismo da igreja histórica tradicional, entramos em diálogo com a cultura e com os ícones e pensamento dessa cultura e estamos refletindo sobre tudo isso.”
Em São Paulo, o capelão Valter Ravara criou o Instituto Gênesis 1.28, uma organização que ministra cursos de conscientização ambiental em igrejas, escolas e centros comunitários. “É a proposta de Jesus, materializar o amor ao próximo no dia a dia”, afirma Ravara. “O homem sem Deus joga papel no chão? O cristão não deve jogar.” Ravara publicou em 2008 a Bíblia verde, com laminação biodegradável, papel de reflorestamento e encarte com textos sobre sustentabilidade.
A então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, escreveu o prefácio da Bíblia verde. Sua candidatura à Presidência da República angariou simpatia de blogueiros e tuiteiros, mas não o apoio formal da Assembleia de Deus, denominação a que ela pertence. A separação entre política e religião pregada por Marina é vista como um marco da nova inserção social evangélica. O vereador paulistano e evangélico Carlos Bezerra Jr. afirma que o dever do político cristão é “expressar o Reino de Deus” dentro da política. “É o oposto do que fazem as bancadas evangélicas no Congresso, que existem para conseguir facilidades para sua denominação e sustentar impérios eclesiásticos”, diz ele.
O raciocínio antissectário se espalhou para a música. Nomes como Palavrantiga, Crombie, Tanlan, Eduardo Mano, Helvio Sodré e Lucas Souza se definem apenas como “música feita por cristãos”, não mais como “gospel”. Eles rompem os limites entre os mercados evangélico e pop. O antissectarismo torna os evangélicos mais sensíveis a ações sociais, das parcerias com ONGs até uma comunidade funcionando em plena Cracolândia, no centro de São Paulo. “No fundo, nossa proposta é a mesma dos reformadores”, diz o presbiteriano Ricardo Gouveia. “É perceber o cristianismo como algo feito para viver na vida cotidiana, no nosso trabalho, na nossa cidadania, no nosso comportamento ético, e não dentro das quatro paredes de um templo.”
A teologia chama de “cristocêntrico” o movimento empreendido por esses crentes que tentam tirar o cristianismo das mãos da estrutura da igreja – visão conhecida como “eclesiocêntrica” – e devolvê-lo para a imaterialidade das coisas do espírito. É uma versão brasileiramente mais modesta do que a Igreja Católica viveu nos tempos da Reforma Protestante. Desta vez, porém, dirigida para a própria igreja protestante. Depois de tantos desvios, vozes internas levantaram-se para propor uma nova forma de enxergar o mundo. E, como efeito, de ser enxergadas por ele. Nas palavras do pastor Kivitz: “Marx e Freud nos convenceram de que, se alguém tem fé, só pode ser um estúpido infantil que espera que um Papai do Céu possa lhe suprir as carências. Mas hoje gostaríamos de dizer que o cristianismo tem, sim, espaço para contribuir com a construção de uma alternativa para a civilização que está aí. Uma sociedade que todo mundo espera, não apenas aqueles que buscam uma experiência religiosa”.
Fonte: Revista Época

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Ensino religioso no Brasil estimula o preconceito e a intolerância

Ensino religioso no Brasil estimula o preconceito e a intolerância
http://www2.abong.org.br/final/noticia.php?faq=21476

Estudo liderado pela professora Débora Diniz afirma que livros didáticos mais aceitos pelas escolas públicas promovem a homofobia e pregam o cristianismo

João Campos - Da Secretaria de Comunicação da UnB

Pesquisa da Universidade de Brasília conclui que o preconceito e a intolerância religiosa fazem parte da lição de casa de milhares de crianças e jovens do ensino fundamental brasileiro. Produzido com base na análise dos 25 livros de ensino religioso mais usados pelas escolas públicas do país, o estudo é apresentado no livro Laicidade: O Ensino Religioso no Brasil, que será lançado às 16h desta terça-feira, 22 de junho, no auditório do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM) da UnB.

“O estímulo à homofobia e a imposição de uma espécie de ‘catecismo cristão’ em sala de aula são uma constante nas publicações”, afirma uma das autoras do trabalho, a antropóloga e professora do Departamento de Serviço Social, Débora Diniz.

A pesquisa analisou os títulos mais aceitos pelas escolas do governo federal, segundo informações do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. A imagem de Jesus Cristo aparece 80 vezes mais do que a de uma liderança indígena no campo religioso - limitada a uma referência anônima e sem biografia -, 12 vezes mais que o líder budista Dalai Lama e ainda conta com um espaço 20 vezes maior que Lutero, referência intelectual para o Protestantismo (Calvino nem mesmo é citado).

O estudo aponta que a discriminação também faz parte da tarefa. Principalmente contra homossexuais. “Desvio moral”, “doença física ou psicológica”, “conflitos profundos” e “o homossexualismo não se revela natural” são algumas das expressões usadas para se referir aos homens e mulheres que se relacionam com pessoas do mesmo sexo. Um exercício com a bandeira das cores do arco-íris acaba com a seguinte questão: “Se isso (o homossexualismo) se tornasse regra, como a humanidade iria se perpetuar?”.

A pesquisadora Débora Diniz alerta que o estímulo ao preconceito chega ao ponto de associar uma pessoa sem religião ao nazismo – ideologia alemã que tinha como preceitos o racismo e o anti-semitismo, na primeira metade do século XX. “É sugerida uma associação de que um ateu tenderia a ter comportamentos violentos e ameaçadores”, observa. “Os livros usam de generalizações para levar a desinformação e pregar o cristianismo”, completa a especialista, uma das três autoras da pesquisa.

LEI - Os números contrastam com a previsão da Lei de Diretrizes e Base da Educação de garantir a justiça religiosa e a liberdade de crença. De número 9475, e em vigor desde 1997, a lei regulamenta o ensino de religião nas escolas brasileiras. “Há uma clara confusão entre o ensino religioso e a educação cristã”, afirma Débora Diniz. A antropóloga reforça a imposição do catecismo. “Cristãos tiveram 609 citações nos livros, enquanto religiões afro-brasilieras, tratadas como ‘tradições’, aparecem em apenas 30 momentos”, comenta a especialista.

O estudo, realizado entre março e julho de 2009, ainda revela a tênue fronteira entre as editoras responsáveis pelas publicações e a pregação religiosa. A editora FTD, por exemplo, pertence aos irmãos Maristas, sociedade religiosa nascida em 1817, na França. O interesse comercial com o material escolar surge representado pelas editoras Ártica e Scipione, que formam a Abril de Educação, líder no mercado de livros didáticos no setor privado. “É esse contexto nebuloso de relações e interesses que envolve a pesquisa” diz Débora.

Ainda foram analisadas as editoras Saraiva, Moderna e Dimensão e as religiosas Vozes, Paulus Paulinas, Vida e Edições Loyola.

SEM REGULAMENTAÇÃO

Para a psicóloga e uma das autoras do livro, Tatiana Lionço, os problemas do ensino religioso no Brasil vem da falta de regulação por parte do Estado. Ela explica que, antes de ir parar nas mochilas de crianças e jovens, todo material didático passa por uma avaliação de uma banca de profissionais do Programa Nacional do Livro Didático, vinculado ao Ministério da Educação. Todos, menos os de Religião. “Não há qualquer tipo de controle. O resultado é a má formação dos alunos”, comenta a professora.

A especialista ainda questiona o modelo de ensino religioso nas escolas do país com base no princípio constitucional de que o Estado deveria ser laico (neutro em relação às religiões). “Se o Estado deveria ser laico, por que ensinar religião nas escolas?”, provoca. “Se a religião for tratada na sala de aula, tem de ser de forma responsável e diversificada”, acrescenta a psicóloga. As 112 páginas da publicação, lançada pelas editoras UnB e Letras Livres, ainda conta com a contribuição da assistente social Vanessa Carrião, do instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.

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