domingo, 17 de fevereiro de 2008

Gente que Faz

Gente que Faz

“A história de um dos homens mais brilhantes que já conheci e que mais marcou a vida das pessoas de sua época. Foram 15 anos totalmente entregues ao serviço do Mestre”.
*Evanildo Ferreira da Silva

No ano de 1931 nasceu Hortêncio Pereira da Silva, na comunidade rural denominada Tabuas, município de Montes Claros, região norte do Estado de Minas Gerais. Mudou-se juntamente com seus pais e familiares para a localidade denominada Baixa Verde, no município de Francisco Sá. Ainda solteiro, Hortêncio tentou a vida nos estados de São Paulo e Paraná, mas não obtendo sucesso, voltou novamente para a sua terra, onde se casou com sua prima Terezinha Ferreira da Silva. A primeira residência do casal foi um rancho feito de palhas de coqueiros e, para a subsistência, trabalhavam no cultivo de algodão.

Contratando alguns camaradas, nome que se dava aos trabalhadores rurais da época, enfrentou a dureza do trabalho no campo. Numa região de terra fértil, porém com muita escassez de água, dependiam totalmente das chuvas e enfrentavam ainda o problema dos escassos recursos financeiros. A senhora Rosa Xavier, irmã de Terezinha, contou-me numa conversa que, para o sucesso da lavoura, o casal tinha que trabalhar muito, dia e noite. “Durante o dia, enquanto Hortêncio e os camaradas trabalhavam no plantio e cultivo de algodão, Terezinha, sua esposa, ficava em casa cuidando da alimentação descascando arroz no pilão e preparando o almoço para os trabalhadores. Durante a noite, com o uso de uma lamparina, o casal combatia as formigas colocando veneno nos formigueiros até alta madrugada”. Um início de muita luta em um ambiente pouco favorável para se constituir e consolidar uma família, tempo em que não havia estrada nem energia elétrica, vivendo apenas do cultivo da terra para a subsistência.

Na década de 1950, o casal Hortêncio e Terezinha decidiu mudar-se para Montes Claros e foram morar de favor na casa da sua tia Rosenda. Enquanto isso, trabalhando como pedreiro, comprou um lote e construiu um pequeno barracão. No dia 16 de dezembro de 1956 nasceu o seu primeiro filho, Waldir Pereira da Silva, o qual foi batizado na Igreja Católica. A partir desse tempo, Hortêncio começou a ter um contato mais direto com o Evangelho. Contratado para trabalhar na construção do templo da primeira Igreja Batista da cidade de Capitão Enéas, levou consigo Benjamin Soares Cruz, seu cunhado, como ajudante naquela obra. Durante o trabalho da construção, foram ambos atraídos pelo evangelho, através da influência do casal de evangelistas Joaquim Ribeiro e Filomena Ribeiro.

No ano de 1957, Hortêncio Pereira da Silva se converteu ao evangelho. Trabalhando na construção da casa de uma família evangélica em Montes Claros, conheceu Helen Jane Crosland, filha do missionário Daniel F. Crosland, a qual consolidou em Hortêncio a sua conversão, encaminhando-o para a Primeira Igreja Batista de Montes Claros. Dois anos depois, na noite do dia 29 de outubro de 1959, ele foi batizado pelo Pastor Feliciano Amaral, juntamente com seu cunhado Benjamin Soares Cruz e alguns outros irmãos. Como membro da Primeira Igreja Batista de Montes Claros, Hortêncio tornou-se um importante líder e cooperador na expansão do Evangelho do Reino na cidade de Montes Claros e região na década de 1960 e início de 1970.

Em 7 de julho de 1960 nasceu o seu segundo filho, Evanildo Ferreira da Silva. No início desse ano, Hortêncio foi chamado para trabalhar como pedreiro no DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas). Pela misericórdia do Senhor, trabalhando durante o dia e estudando à noite, e embora tenha vindo para a cidade com apenas a 4ª série primária, chegou a ser o diretor presidente da Cooperativa do DNOCS, órgão onde trabalhou até a data do seu falecimento. Seu caráter e testemunho cristão marcaram as vidas de incontáveis pessoas do seu convívio em vários segmentos da cidade.

Esta década de 1960 foi também um dos períodos mais relevantes da expansão do trabalho Batista na cidade Montes Claros desde o seu surgimento. O então diácono Hortêncio Pereira da Silva, mais conhecido como irmão Hortêncio, teve um papel fundamental na expansão do Evangelho na cidade, sobretudo no bairro Cintra e adjacências, como em várias localidades e distritos da região. Por intermédio dele e de um grupo de irmãos moradores do bairro Cintra e imediações, iniciou-se um ponto de pregação na casa da irmã Raimunda Ribeiro Rocha, local onde hoje está a 2ª Igreja Batista de Montes Claros. Na época, Hortêncio cedeu também sua casa, a fim de que nela funcionasse uma Escola Bíblica Dominical. Nasceu assim a Congregação Batista no Bairro Cintra, atendendo ao desejo dos moradores daquela região. Movido pela vocação e orientado pelo Espírito Santo, dedicou sua vida ao serviço do mestre, preparando os membros daquela Congregação que logo seria organizada em igreja.

Hortêncio continuou sendo um líder influente e com profundo amor pelas almas, guardando a sã doutrina e criando os filhos no caminho do Senhor. No dia 08 de agosto de 1966 nasceu o seu terceiro filho, Alvimar Pereira da Silva, o que muito alegrou a família.

No dia 27 de março de 1966 foi organizada a 2ª Igreja Batista de Montes Claros com 60 membros. Este evento foi um dos marcos históricos mais relevantes na expansão do trabalho Batista na cidade: a segunda igreja organizada, que mais tarde se tornaria também mãe de outras igrejas e congregações. Os Batistas haviam chegado à região por volta de 1914, na localidade denominada Malhada Grande, município de Juramento. Em 17 de fevereiro de 1918 foi organizada a Primeira Igreja Batista em Malhada Grande, Juramento, localidade próxima a Montes Claros. Mas a consolidação da Primeira Igreja Batista em solo montesclarense se deu no dia 4 de novembro de 1922. Embora já houvesse pontos de pregação em alguns de seus distritos e igrejas organizadas em outras cidades da região, somente 51 anos depois de o trabalho Batista estar instalado em Montes Claros é que foi organizada a Segunda Igreja Batista nessa cidade.

Evangelista nato, Hortêncio aplicou os últimos anos de sua vida espalhando as boas novas de salvação. Além de membro fundador da 2ª igreja Batista de Montes Claros, diácono atuante e vice-moderador da igreja, foi responsável pela implantação de diversos pontos de pregação e congregações nas localidades de Cana Brava, Estreito, Fazenda Recanto, Fazenda São Domingos e Fazenda Arroz, onde hoje continua uma congregação com 23 membros, geração de filhos, netos e bisnetos na fé, os quais ele não chegou a conhecer. Inúmeras viagens evangelísticas foram realizadas nos finais de semana, por terras ainda não alcançadas espalhando a Boa Semente. Contando como o apoio do irmão José Ferreira de Freitas, um caixeiro-viajante que em suas viagens marcava os cultos, trabalhou incansavelmente com recursos próprios na busca pelos perdidos. O irmão Hortêncio tinha também em sua companhia o quarteto Vozes de Vitória, que era uma atração muito importante na dinâmica dos cultos nas localidades por onde passavam.

Sua morte aconteceu no dia 02 de julho de 1972, numa assembléia associacional no templo da 1ª Igreja Batista de Montes Claros, fato curioso que chamou a atenção de todo o povo batista da região. A forma de sua morte significou a realização de um desejo do seu coração. Ele sempre dizia que gostaria de morrer servindo ao Senhor, e de preferência que sua morte acontecesse na igreja. Naquele dia ele havia viajado para a cidade de Janaúba para um culto de aniversário de um sobrinho. Regressando à tarde, fez um passeio com a esposa no Parque de Exposições da cidade, onde foi visto pelos filhos rapidamente. Quando os filhos chegaram em casa ele estava de saída para a assembléia da Associação Batista Norte Mineira. Naquela noite, sua esposa e seus três filhos não o acompanharam. Ele jamais poderia imaginar que aquela seria a última vez que sua esposa e filhos o veriam com vida.

Durante a assembléia, segundo o Pastor Benjamin Soares Cruz, o nome de Hortêncio estava sendo cogitado para presidente. No transcorrer dos trabalhos ele é convidado a orar. Ao encerrar a oração, sentou-se, recostou no ombro de seu cunhado ao lado, e de repente já não estava mais em nosso meio. Providências foram tomadas, mas já era tarde. Deus, o Senhor, o havia levado para si. Hortêncio acabava de encerrar a sua carreira com apenas 40 anos de idade, deixando a esposa e três filhos, um com quinze anos, outro com onze e outro com apenas cinco anos. A cidade de Montes Claros ficou chocada com sua morte e os batistas haviam perdido um de seus grandes evangelistas. Incansável, lutador e apaixonado pelas almas perdidas, seu nome com toda a certeza está hoje na galeria dos santos que gastaram os seus dias servindo ao Senhor da seara.

*Evanildo Ferreira da Silva
Pastor da Igreja Batista Monte Sinai
Montes Claros - MG